sábado, 10 de maio de 2008

O hospital

Astolfo era um cidadão de classe média, tinha carro novo, apartamento próprio e morava na Zona Sul da cidade. Situação típica de um médio empresário do país.
Como toda pessoa que mantém um mínimo de nível cultural, Astolfo não confiava no serviço público, acreditava que a obssessão do brasileiro em prestar concurso era coisa de país pobre, desta forma confiava menos ainda na saúde pública do Brasil e pagava um plano de saúde dos mais caros para a sua família.
Numa bela manhã de sábado sua esposa acordou com uma dor enorme no estômago:
_ Amor, não estou aguentando mais.
_ É melhor irmos para um hospital - disse Astolfo.
Pegaram o carro e seguiram ao hospital mais moderno e caro da cidade.
Quando chegaram ao hospital, foi quando Astolfo percebeu que, por falta de amparo público, a saúde no país havia virado comércio.
Entraram por uma porta de vidro escrita "PRONTO ATENDIMENTO" e se depararam com várias cadeira enfileiradas com as pessoas sentadas esperando o suposto pronto atendimento.
A esposa de Astolfo estava quase desmaiando, mas ele foi obrigado a inicialmente entregar a sua carteirinha do plano a atendente que, ignorando a dor de sua mulher, informou:
_ Aguarde ali que já vão chamá-los.
A cena era incomum para Astolfo. Estava ele no meio de uma sala de espera de um grande hospital, com outros pacientes olhando uns para os outros como se tentassem descobrir o que cada um tem para estar ali, fora que sempre tem o acompanhante engraçadinho de algum doente que fica tentando fazer piadas naquele inoportuno momento.
_ Para que um hospital tão grande se ficam todos nesse mesmo lugar e só tem um médico para atender? - pensou Astolfo.
Logo em seguida o médico com uma ficha na mão chamou _ Senhora Armínia?
Era a esposa de Astolfo.
Ambos entraram numa minúscula sala com uma plaquinha escrita "Consultório".
Astolfo continuava a pensar:
_ Pago uma fortuna por um plano de saúde e o melhor hospital da cidade me atende numa micro sala com uma mesinha de madeira, sem computador e uma maca de metal.
Quando o médico disse para a sua esposa "muito bem, o que a senhora está sentindo?", Astolfo reparou que o médico tinha um sotaque pernambucano e, pasme, em seu jaleco estava escrito o seu nome com um surpreendente "Cirurgião Plástico"!
Astolfo estava em choque! Que absurdo era aquele? Mas tudo bem, médico é médico, mesmo aqueles que consertam peitos e nariz.
Ao ser perguntada pelo médico, Armínia respondeu:
_ Dor de estômago.
_ Hum... pode se levantar, por favor? - Disse o médico.
O médico apertou duas vezes a sua barriga e disse:
_ Bom, tome esse remédio que estou lhe receitando de seis em seis horas e se em quarenta e oito horas não passar a dor volte aqui para fazermos um exame mais completo.
Astolfo não estava mais revoltado, agora fazia piadas da situação consigo mesmo: "se ela tivesse um Alien na barriga ele iria nascer em 48 horas" e "porque de seis em seis horas? Como esse idiota pode saber se só faz efeito se tomar assim?", ou ainda "48 horas? Dorme com ela dois dias com dor então, seu merda!". Lógico que isso tudo vinha a sua cabeça e ele olhava sorrindo e concordando com o médico, pois no fundo Astolfo sabia que ele era uma vítima desse sistema que tomou conta do país.
Ao sair do consultório, Astolfo olhou para a sala de espera e percebeu que aqueles atendimentos instântaneos e em massa com a ocupação mínima de lugares e um médico só, eram para fazer dinheiro e lucro com os planos de saúde, ou seja, muitos atendimentos rápidos, menor custo e mais consultas pagas.
Na saída Astolfo foi abordado por uma enfermeira que lhe perguntou:
_ O senhor quer aproveitar para fazer um eletro?
Astolfo respondeu:
_ Não, obrigado, senão eu acabo internado.

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